Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estudam clonar animais silvestres da fauna brasileira, em uma iniciativa inédita no Brasil, segundo eles. A previsão é que o primeiro clone, ainda sem prazo para ser feito, seja de uma espécie ameaçada de extinção, de acordo com o pesquisador Carlos Frederico Martins, da Embrapa Cerrados.
A primeira fase da pesquisa de clonagem foi a formação de um banco de germoplasma (com células de animais, para conservar seu material genético), que inclui espécies em risco, como o mico-leão-preto, e outras fora de perigo. A ideia inicial era trabalhar com mamíferos silvestres do Cerrado, diz Martins. O projeto, no entanto, foi ampliado e passou a incluir animais de outros biomas, como a Mata Atlântica. Agora o projeto entra na segunda etapa, que é estudar técnicas para fazer clones, afirma o pesquisador.
Uma das técnicas cogitadas é semelhante à usada para fazer a ovelha Dolly, aponta Martins. Dolly foi o primeiro mamífero clonado a partir de células adultas. O procedimento consiste em transferir o material genético de uma célula adulta do animal para um óvulo da mesma espécie. Nesse processo, o núcleo original do óvulo é retirado. O óvulo é "reprogramado" e passa a agir como célula embrionária, com potencial para dar origem a um novo indivíduo, explica o cientista.
Estabelecido em parceria com o Jardim Zoológico de Brasília, o projeto da Embrapa já tem 420 amostras de células de oito espécies diferentes no banco de germoplasma, ressalta Martins. "Temos, no banco, de dois a três animais de cada espécie", afirma. Entre os bichos estão lobos-guará, onças-pintadas e cachorros-do-mato, todos considerados vulneráveis na lista das espécies ameaçadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. A coleta de material genético para o banco de germoplasma vai continuar na nova etapa do estudo, aponta o cientista.
Para dar o próximo passo, a Embrapa vai assinar um novo convênio com o zoo, que amplia os estudos e permite que seja feita a clonagem no futuro. O acordo deve ser assinado nesta semana. "A parte técnica está resolvida, só falta acertar os últimos detalhes", diz a diretora de pesquisa do zoológico, Carolina Lobo.
"O convênio que a gente está fazendo é para fornecer os materiais para tentar fazer isso. O objetivo final é tentar fazer a clonagem de um animal ameaçado de extinção, principalmente os animais mais ameaçados, visando a conservação", aponta Carolina.
Para o primeiro clone, uma das hipóteses é o lobo-guará, afirma o pesquisador da Embrapa. "É um animal que está em risco", diz ele. "A população tem diminuído bastante". A clonagem deste animal deve ser mais simples porque é possível fazer um procedimento inter-espécie, caso não haja óvulos disponíveis de lobo-guará, segundo o pesquisador. Neste caso, a técnica usada seria similar à da Dolly, mas com o óvulo de uma cadela, que é uma espécie compatível, aponta Martins. O clone, diz ele, teria 99% do DNA do doador.
O projeto de clonagem de animal silvestre é pioneiro no país, diz o pesquisador da Embrapa. "No Brasil, eu não conheço outras pessoas que estão estudando. No exterior tem alguns grupos, que eu saiba", diz ele. "Sendo autorizada a compra dos materiais, com certeza é possível ter início logo em seguida", diz Carolina, ressaltando que o que deve começar são os estudos, não a produção de um clone finalizado. Ela espera que em 2013 a pesquisa já esteja encaminhada.
O acordo com a Embrapa para o projeto é sem fins lucrativos e não envolve repasse de verbas entre as instituições, diz a diretora. Por enquanto, o zoológico ajuda na coleta de materiais que vão para o banco de germoplasma, entre outras funções. No futuro, óvulos dos animais em cativeiro poderão servir para estudos com clones. "Além de tudo, estamos tentando comprar o equipamento para a clonagem", diz Carolina.
O pesquisador da Embrapa ressalta que a pesquisa tem sido realizada com autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Neste novo convênio, nós estamos solicitando de novo a autorização para um período de dois anos", afirma Martins. Coordenadora de fauna do Ibama, Maria Izabel Soares da Silva disse ao G1 que em princípio não vê entraves jurídicos para a continuação da pesquisa. "Mas o projeto vai ser analisado quando chegar. Um analista vai emitir um parecer técnico" necessário para a continuidade dos estudos, afirmou ela.
Último recurso
Para o pesquisador da Embrapa, a clonagem pode ser um instrumento para ajudar na preservação de espécies criticamente ameaçadas, mas deve ser vista como um último recurso. É muito importante que haja consciência ambiental e que o habitat dos animais seja preservado, diz ele.
"A gente recebe críticas dizendo que estamos esquecendo da preservação do ambiente. Mas o que eu digo é que esta [a clonagem] é uma das ferramentas científicas que a gente está colocando à disposição. Lembrando que o ideal é a preservação da fauna onde ela está. A preservação do ambiente, estratégias de conservação dos animais, são fundamentais", pondera Martins.
Conservação
Procurado pelo G1, o Conselho Federal de Biologia enviou um parecer sobre o tema, elaborado pelo professor de genética e evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Rodrigues dos Santos. Para ele, a pesquisa de clonagem é válida e não há problemas éticos em fazê-la. "Não há mais problemas éticos do que fazer clone de qualquer outro animal doméstico", diz.
O professor avalia que as vantagens da pesquisa são manter animais ameaçados de extinção que possam ser criados em cativeiro e até restabelecer uma população semi-selvagem com risco de desaparecer. Ele pondera, no entanto, que a utilidade em termos de conservação ambiental deve ser muito limitada. "Em toda a biologia da conservação, a meta é preservar populações viáveis e não indivíduos. Para isto é preciso preservar habitats, e não indivíduos de cativeiro", afirma.
Para Santos, a clonagem "nunca poderá reconstituir uma população natural". "A maioria dos animais tem de aprender alguma coisa com seus pais selvagens, e isso não vai acontecer com os clones." Outra questão é a variabilidade genética, que é pouca ou inexistente nos clones. "Por várias razões, os clones ficarão nos zoos e outros tipos de criatórios", avalia o professor.
Lobo-guará e tamanduá-mirim do Zoológico de Brasília; pesquisador considera clonagem 'último
recurso' (Foto: Divulgação/Jardim Zoológico de Brasília)
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