INTRODUÇÃO
Ao longo de milhares de anos, diferentes povos realizavam uma agricultura baseada no manejo dos materiais disponíveis nas propriedades rurais. Dentre esses materiais, destacam-se aqueles de origem orgânica (esterco, restos de cultura, composto) que possibilitam uma melhoria da qualidade do solo e um aumento da produtividade vegetal.
No final do século XIX, essa forma de fazer agricultura foi transformada por descobertas científicas que abriram caminho para o uso de fertilizantes minerais. Os aumentos de produtividade decorrentes da utilização de tais produtos fizeram com que vários agricultores abandonassem as práticas de adubação orgânica, criando um modelo de agricultura cada vez mais dependente de insumos externos às propriedades rurais. A introdução de novas técnicas como o uso de agrotóxicos, variedades melhoradas geneticamente e maquinário ao longo do século XX aumentaram cada vez mais essa tendência.
Convencionou-se chamar o avanço das indústrias química, mecânica e do melhoramento genético na área agrícola como “Revolução Verde”. Nas décadas de 1950 e 1960, a “Revolução Verde” atingiu os países do Terceiro Mundo. Os governos locais criaram linhas de crédito atreladas à compra de insumos agropecuários, enquanto as principais escolas de agronomia destes países reformularam seus currículos, valorizando as técnicas associadas ao novo modelo agrícola.
A partir da década de 1970, começaram a surgir sérios problemas decorrentes da adoção de práticas agrícolas relacionadas à “Revolução Verde”. A degradação da capacidade produtiva dos solos, associada à proliferação de pragas e doenças, causou um empobrecimento dos agricultores, devido ao aumento dos custos de produção. Além disso, observou-se uma menor qualidade dos alimentos produzidos. Desta forma, diversos grupos de agricultores e profissionais da área rural têm proposto a adoção de práticas que favoreçam os processos biológicos (fixação biológica de nitrogênio e ciclagem de nutrientes) encontrados nos agroecossistemas, como uma alternativa ao modelo agrícola da “Revolução Verde”.
Dentre as diversas práticas, merece destaque a adubação verde, que consiste na utilização de plantas em rotação ou consórcio com as culturas de interesse econômico. Tais plantas podem ser incorporadas ao solo ou roçadas e mantidas na superfície, proporcionando, em geral, uma melhoria das características físicas, químicas e biológicas do solo.
EFEITOS DA ADUBAÇÃO VERDE NAS CARACTERÍSTICAS DO SOLO
- Efeitos Químicos
O nitrogênio é o nutriente que mais tem sido estudado com relação ao efeito da adubação verde nas culturas de interesse econômico. As leguminosas herbáceas constituem algumas das plantas mais utilizadas como adubos verdes, embora espécies de outras famílias botânicas também sejam frequentemente utilizadas. Devido à capacidade das leguminosas de fixarem nitrogênio atmosférico em associação com bactérias dos gêneros Rhizobium e Bradyrhizobium, essas plantas podem substituir ou diminuir o uso de adubos minerais no fornecimento de N para várias culturas de interesse comercial.
A adubação verde permite ainda o aporte de quantidades expressivas de fitomassa, possibilitando uma elevação no teor de matéria orgânica do solo ao longo dos anos. Como consequência, obtêm-se um aumento da capacidade de troca catiônica (CTC) do solo, o que traz maior retenção de nutrientes junto às partículas do solo, reduzindo perdas por lixiviação.
Após a decomposição dos resíduos vegetais pode ocorrer uma diminuição na acidez do solo. Isto porque durante a decomposição dos resíduos, são produzidos ácidos orgânicos capazes de complexar íons Al+++ presentes na solução do solo, reduzindo desta forma o alumínio tóxico do solo.
Outro efeito benéfico desta prática nas características químicas do solo diz respeito à reciclagem de nutrientes. Quando se utilizam plantas que expandem seu sistema radicular para horizontes profundos do solo como adubos verdes, elas absorvem nutrientes das camadas subsuperficiais do solo. Após o corte dessas plantas, ocorre então a liberação gradual dos nutrientes para a camada superficial, através da decomposição dos resíduos, tornando-os disponíveis para culturas subsequentes.
- Efeitos Físicos
A adubação verde eleva os teores de matéria orgânica do solo, melhorando suas propriedades físicas. Dentre as propriedades físicas do solo afetadas pelo aumento dos teores de matéria orgânica, destacam-se: estabilidade de agregados, porosidade, taxa de infiltração de água e retenção de umidade.
Os constituintes orgânicos podem influenciar a agregação do solo atuando como agentes ligantes, juntamente com os minerais de argila. Esses agentes ligantes contribuem para a formação de agregados estáveis à ação da água, evitando a formação de crostas na superfície do solo e o consequente escorrimento superficial da água que causa erosão. A proteção mecânica promovida pela cobertura vegetal também atua amenizando o impacto direto das gotas de chuva, que causam a desagregação das partículas do solo.
Devido a aumentos na porosidade e agregação do solo, a tendência de uma área protegida por cobertura vegetal é possuir uma maior taxa de infiltração de água. A ocorrência de camadas compactadas promovidas pelo uso de implementos agrícolas pesados reduz a infiltração de água no solo. Contudo, esse efeito negativo pode ser atenuado através do cultivo de adubos verdes que apresentam um sistema radicular bem desenvolvido, como o guandu, tornando possível um rompimento dessas camadas.
A manutenção da cobertura vegetal promovida pelos adubos verdes permite ainda uma retenção mais eficiente da água na superfície do solo, além de reduzir a oscilação térmica na camada superficial.
- Efeitos Biológicos
A presença de material orgânico fornecido pelos adubos verdes favorece a atividade dos organismos do solo, já que seus resíduos servem como uma fonte de energia e nutrientes. Além disso, a manutenção da cobertura vegetal permite reduzir as oscilações térmica e de umidade, criando condições que favorecem o desenvolvimento dos organismos do solo. Por sua vez, a maior atividade biológica do solo aumenta a reciclagem de nutrientes, o que permite inclusive um melhor aproveitamento dos fertilizantes aplicados ao solo.
Dentre os organismos do solo favorecidos pela adubação verde, merecem destaque as bactérias dos gêneros Rhizobium e Bradyrhizobium. Tais microrganismos são capazes de promover a fixação biológica do N2 atmosférico, associando-se às diversas leguminosas num processo simbiótico. O nitrogênio fixado pelas bactérias é transferido para as leguminosas na forma de aminoácidos, enquanto carboidratos produzidos por essas plantas são fornecidos às bactérias e servem como fontes de energia. As trocas descritas ocorrem em nódulos formados pelas bactérias fixadoras nas raízes das leguminosas.
Além das bactérias fixadoras de nitrogênio, o cultivo com leguminosas favorece um aumento na população de fungos micorrízicos nativos do solo. Esses microrganismos associam-se às raízes das plantas cultivadas, aumentando a absorção de água e nutrientes e permitindo um melhor aproveitamento dos fertilizantes aplicados ao solo principalmente os fosfatados. Como consequência da melhor nutrição, as plantas micorrizadas desenvolvem maior tolerância às doenças e à seca. Ao contrário das bactérias fixadoras de nitrogênio, que se associam apenas às leguminosas, os fungos micorrízicos arbusculares são capazes de estabelecer simbiose com praticamente todas as plantas cultivadas.
Outro grupo de organismos do solo favorecido pela manutenção de uma cobertura vegetal são as minhocas. Elas atuam na redistribuição de resíduos orgânicos no perfil do solo, contribuindo na decomposição da matéria orgânica, produzindo húmus. Através da abertura de canais, as minhocas também favorecem a maior aeração e infiltração de água no solo.
A adubação verde mostra-se ainda eficiente no controle de nematoides. Pesquisas têm demonstrado que a crotalária, mucuna e o guandu são algumas das espécies de adubos verdes que apresentam melhores efeitos no controle de nematoides.
FORMAS DE UTILIZAÇÃO DOS ADUBOS VERDES
A adubação verde pode ser classificada, de acordo com sua utilização, em:
- Adubação verde de primavera/verão em cultivo solteiro
Consiste no plantio dos adubos verdes no período de outubro a janeiro. A ocorrência de chuvas, associada às altas temperaturas desta época do ano, permite a produção de grandes quantidades de massa verde. Quando se utilizam leguminosas, ocorre também um grande acréscimo de nitrogênio ao solo.
A principal desvantagem deste tipo de adubação verde está na ocupação de áreas agrícolas durante um período em que são cultivadas plantas de interesse econômico. Uma alternativa para esse problema seria o plantio de leguminosas em glebas em pousio na propriedade, deixando-se as outras partes para as culturas comerciais. No ano seguinte, seria realizada uma rotação.
- Adubação verde de outono/inverno em cultivo solteiro
Consiste na semeadura dos adubos verdes entre fevereiro e abril. O cultivo destas plantas permite então a proteção de áreas que normalmente não são cultivadas nesta época do ano. Ocorre ainda uma diminuição da infestação do terreno por ervas invasoras e redução das perdas de nutrientes do solo.
Além de aumentar a produtividade de culturas comerciais, o pré-cultivo com adubos verdes permite ainda um aumento na população de microrganismos benéficos do solo.
- Adubação verde consorciada com culturas anuais
O adubo verde é semeado nas entrelinhas da cultura comercial, permitindo a produção durante todo o ano. Esse sistema mostra-se particularmente interessante em pequenas propriedades rurais, pois permite otimizar o aproveitamento de fatores de produção como energia radiante, água e nutrientes.
Um exemplo deste tipo de adubação verde consiste no consórcio do milho com leguminosas. No caso da utilização de feijão de porco ou caupi, a semeadura do milho pode ser feita juntamente com o adubo verde. Já no caso da mucuna preta, a semeadura das leguminosas deve ser feita depois do plantio do milho. Através do consórcio de feijão de porco com milho, torna-se possível obter aumentos de até 15 % em relação ao milho solteiro.
- Adubação verde consorciada com culturas perenes
Nesta modalidade, o adubo verde é cultivado entre as linhas de frutíferas ou de outras plantas perenes. Devem ser evitados adubos verdes muito agressivos, como as mucunas preta e cinza, realizando o coroamento das plantas quando for necessário. Dentre as vantagens da adoção desta prática estão o controle de erosão, redução da incidência de ervas invasoras e atenuação das perdas de nutrientes do solo.